Leis de incentivo, fundos, cidadãos e indústrias culturais

Autor(es): Nilson Rodrigues
Correio Braziliense - 08/10/2012
 

Coordenador do Brazilian Internacional Film Festival (BIFF), da Bienal Brasil do Livro e da Leitura e diretor do Cine Cultura
Participei em setembro, representando o Brazilian Internacional Film Festival (Biff), do Mercado das Indústrias Culturais Argentinas, o Mica. Promovido pelos ministérios da Cultura e das Relações Exteriores argentinos, o evento expõe vários produtos da indústria cultural do país para convidados nacionais e estrangeiros. Palestras e rodas de negócios são o centro das atividades.
Cinema, televisão, animação, design, video game, moda, artes cênicas e música compõem o cardápio. Para fazer negócios e vender seus produtos, o governo argentino estimula a participação de agentes nacionais e estrangeiros, potenciais compradores. Convidaram o Biff, porque querem mais filmes argentinos no Brasil, pois entendem que é um bom negócio e gera receitas, além de promover suas indústrias culturais.
Precisamos ainda avançar muito nesse campo no Brasil. Falar em indústria cultural por aqui é quase uma heresia para alguns. Causa ataques de nervos nos artistas e produtores que se consideram predestinados a viver de recursos públicos oferecidos a fundo perdido.
Acho grave termos políticas de fomento que não levam em conta o interesse do público pelos projetos patrocinados e o mercado existente ou que possa vir a ser criado. Como também considero gravíssimo o fato de ainda termos artistas que creem que seus trabalhos não podem ser considerados mercadoria.
Isso geralmente mascara um fato que não podemos mais esconder. Há muitos projetos — CDs, DVDs, livros e outros supostos produtos culturais — que, sob o argumento de serem distribuídos gratuitamente, recebem verbas de fundos culturais públicos.
A questão é que, mesmo gratuitos, poucos se interessam. Às vezes, nem mesmo os autores se interessam! Geralmente, devido à baixa qualidade, pois, do contrário, pagariam, como se paga por outras coisas. Ou um produto cultural, um ingresso para um show ou uma peça não deve custar nada? Ora, uma cerveja custa R$ 5; cigarros, idem.
Desconfio sempre dos que acham que suas criações artísticas não têm nenhum valor de mercado. Algum público, algum mercado haverá de ter. Se não têm, não devem ser financiados com dinheiro do Estado. Muitas vezes, para justificar o acesso aos recursos dos fundos públicos, argumentam que tais produtos culturais serão doados a escolas públicas, como se elas fossem um depósito qualquer, sem sequer perguntarem se há interesse ou se aquilo serve à educação.
O ingresso, seja de que preço for, deixou de ser um ativo relevante para uma grande parcela que vive quase que exclusivamente dos recursos públicos destinados à cultura por meio de fundos e leis de incentivo. Sinal dos tempos.
Paradoxalmente, e ao mesmo tempo, distorções absurdas levam projetos culturais que se dedicam apenas ao mercado e que não necessitariam de financiamento público, pois cobram preços altíssimos pelos ingressos, a serem 100% pagos pelas mesmas leis e fundos estatais. Juntam-se, então, os grandes produtores, que operam em um mercado feito apenas para as elites, e os que produzem para si mesmos e para público nenhum. Somam-se num mesmo discurso, para que nada mude e tudo continue como está, numa velha lógica patrimonialista que pouco tem de democrática e republicana. Pior para os artistas e produtores que têm trabalhos culturais relevantes e vivem do seu ofício. E péssimo para a sociedade, que precisa e merece ter acesso a bons projetos artísticos e culturais a preços populares.
Enquanto isso, a realidade bate à porta. Por um lado, Cirque de Soleil, peças e shows feitos com dinheiro público com ingressos a R$ 300. Por outro, incontáveis trabalhos que ninguém viu ou ouviu falar, ao não ser os diletantes que os fizeram e seus familiares, que também são financiados, sem nenhum critério, pelo dinheiro público. Duas faces da mesma moeda.
Mais realidade: 85% da população brasileira jamais entrou numa sala de cinema e 90% nunca teve a sorte de assistir a uma peça num teatro. Portanto, mais do que nunca temos que falar de mercado, de indústrias culturais, e buscar meios de aplicar melhor os recursos públicos da cultura.
Política cultural deve ter como destinatário o cidadão, não o artista e o produtor de cultura. Estes devem fazer parte do processo, não serem o objetivo da ação, sob o risco dessa política deixar de ser pública. Lembremos todos de que são fundos de apoio e leis de incentivo à cultura. Não se trata de instrumentos criados para apoiar artistas e produtores. Lembremos dos cidadãos, que devem ser os destinatários únicos da arte, da cultura e das políticas públicas. E que são eles, ao fim e ao cabo, os donos do dinheiro.

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